A POLÍTICA EXTERNA DOS ESTADOS UNIDOS DESDE 1898

O primeiro grande momento da política externa americana foi durante o século XIX. A Doutrina Monroe, de 1823, foi formulada tanto como manifestação anti-europeia frente à possibilidade de recolonização quanto como para o fortalecimento de uma postura isolacionista do país diante dos assuntos internos europeus. Além disso, tal doutrina culmina no panamericanismo e nas suas conferências, que aconteceram ao longo da primeira metade do século XIX.

Na segunda metade do mesmo século, o big stick, "braço armado" da Doutrina Monroe, foi concebido por Theodore Roosevelt, a fim de intervir militarmente na América Latina para garantir os interesses estadunidenses, e transformou o perfil internacional dos EUA

Certos estudiosos afirmam que a ascensão tardia dos EUA como potência (somente ao fim da Primeira Guerra) deve-se à estrutura federalista do país, que, por ser menos centralizada, tornava a canalização de recursos para essa finalidade mais difícil.

De meados do século XIX até o início do XX, os EUA já haviam interferido em Cuba (Guerra Hispano-Americana e Emenda Platt), em Porto Rico (tornando-o protetorado) e nas Filipinas (única que acabou constituindo uma colônia estadunidense de fato). No mesmo período, houve intervenções no Panamá e no México.

A guerra submarina promovida pelos alemães, durante a Primeira Guerra, e o Telegrama Zimmermann justificaram o fim do isolamento estadunidense e seu ingresso no conflito, em 1917, junto aos Aliados. Com a vitória destes, o então presidente Wilson sugeriu um acordo que expressasse uma paz sem vencedores. Os 14 Pontos de Wilson pregavam a necessidade de um sistema de governança global que impediria a eclosão de um novo conflito mundial: a Liga das Nações.

No entanto, a opinião pública estadunidense se opunha a isso, e os EUA acabaram não integrando a organização proposta por eles mesmos, retornando ao isolacionismo. Tal postura foi acentuada pela crise de 1929 e pelo cancelamento da ajuda para a reconstrução da Europa pós-Primeira Guerra. O vácuo de poder na economia global acabou abrindo espaço para a ascensão de regimes totalitários no Velho Mundo.

Com a chega de Roosevelt ao poder, a política externa estadunidense sofre uma inflexão para a política da boa vizinhança, baseada no abandono da intervenção militar e na adoção de negociações diplomáticas para reduzir a influência europeia na América Latina e assegurar a liderança dos EUA no continente. 

Após o ataque a Pearl Harbor, a opinião pública dos estadunidense modificou-se gradualmente em favor da participação na Segunda Guerra. O poder econômico-militar dos EUA foi decisivo para guiar o curso da guerra, e a vitória aliada foi selada em 1945, após a rendição japonesa. Mas, antes disso, as potências haviam se reunido em conferências para decidir os rumos do pós-guerra.

A Conferência de Bretton Woods definiu questões econômicas, criando o Banco Mundial, o FMI e o GATT. Em Dumbarton Oaks, foi criada a ONU, e, em Ialta e Potsdam, foram decididas as divisões das áreas de influência.

Diante da bipolaridade e da rivalidade com a URSS, Washington reformularia novamente sua inserção internacional. A Doutrina Truman estava centrada na contenção do comunismo em escala global, reforçando a presença dos EUA na Ásia e na Europa, e no apoio aos regimes democráticos anticomunistas. Os Planos Colombo, para o Japão, e Marshall, para a Europa Ocidental, além da criação da OTAN, consolidavam o capital estadunidense nas duas regiões, da mesma maneira que o TIAR reforçava sua liderança no continente americano.

O governo seguinte, de Eisenhower, busca uma coexistência pacífica com a URSS, após a morte de Stalin, mas esta não ocorre, devido à crise de Berlim e à guinada socialista da Revolução Cubana. Eisenhower estende para o Oriente Médio, então, a contenção militar. em caso de intervenção soviética na região. Longe de pacíficas, as relações entre EUA e URSS se recrudescem e expandem a rivalidade bipolar.

Novos contornos seriam delineados a partir da Doutrina Nixon. Como o fracasso nas guerras no Vietnã e na Coreia tinham exposto os limites da contenção, as tensões domésticas levam à terceirização do combate ao comunismo aos governos nacionais, muitas vezes autoritários e ditatoriais. A retirada das tropas estadunidenses do Sudeste Asiático garantiu a aproximação pragmática dos EUA com a URSS e com a China comunista, constituindo o período da Guerra Fria conhecido como détente.

Enfraquecido por acusações de corrupção, Nixon renuncia, e quem vence as eleições seguintes é o democrata Jimmy Carter. Com destaque para a defesa dos direitos humanos, Carter pressionou pelo fim das ditaduras americanas, assinou o acordo que previa a devolução do Canal do Panamá aos panamenhos dentro de vinte anos e adotou postura conciliadora quanto ao Oriente Médio (Camp David). Os democratas acabaram sendo fragilizados pela inércia estadunidense no fatídico ano de 1979, quando houve revoluções no Irã e na Nicarágua, além da invasão soviética ao Afeganistão.

Os republicanos voltam à Casa Branca, durante o governo Reagan. Crítico da détente, Reagan defende a recomposição da hegemonia estadunidense, face à erosão da URSS. Para tanto, apostava na imposição do modelo liberal de economia e numa nova corrida armamentista ( a "guerra nas estrelas"), que a URSS, que passava pelas reformas conhecidas como Glasnost e Perestroika, seria incapaz de acompanhar.

Nos pós-Guerra Fria, três narrativas foram delineadas: o fim da História, que versava sobre a vitória do modelo liberal sobre quaisquer outros; o choque de civilizações, que colocava a civilização muçulmana como principal alvo; e a guerra ao terror, devido a ocorrência de ataques não convencionais de que falaremos a seguir.

George Bush, o pai, buscou construir o momento unipolar estadunidense, objetivando uma ordem internacional democrática-liberal (criação da OMC) e a reafirmação da liderança dos EUA na reordenação das polaridades (adesão de países do Leste Europeu à OTAN).

Já em 2001, após o ataque às Torres Gêmeas, Bush, o filho, lança sua doutrina com base na nova estratégia de segurança nacional. A guerra ao terror e a invasão ao Iraque de Saddam Hussein, à revelia do direito internacional, colaboraram para o aumento do antiamericanismo, dos focos de resistência e da insegurança global. O vazio de poder no Iraque acentuou as disputas entre sunitas e xiitas e a ação de jihadistas, além de culminar na criação de uma força contra a presença estadunidense no Iraque: o Estado Islâmico.

A atual política externa dos EUA deu nova guinada, a partir da vitória de Trump. Apesar de supostamente defender o taxpayers americanos e a retração na arena internacional (com a retirada do Acordo de Paris e com os questionamentos dos acordos de integração econômica), Trump exige que os países europeus elevem seus gastos militares, mesmo que estejam passando por um período de recessão.

Seu discurso reformista e anti-globalização vai de encontro à ordem formulada pelos próprios Estados Unidos desde o fim da Guerra Fria, pondo em xeque a ordem liberal-democrática por eles defendida, num momento em que a China, apesar da desaceleração atual de sua economia, começa a ultrapassá-los em termos de poderio econômico. 

O lema "America first" pode acabar tendo o efeito colateral de acelerar o declínio dos EUA como potência.



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