O BRASIL E O REGIME DE NÃO-PROLIFERAÇÃO

A preocupação brasileira com o fomento científico e tecnológico remonta à década de 1930, quando o governo Vargas passou a utilizar a sua política externa a fim de buscar insumos financeiros e tecnológicos que contribuíssem para a superação de entraves ao desenvolvimento do país. 

Num contexto de abandono do big stick em detrimento da adoção da política da boa vizinhança pelos Estados Unidos, Vargas conquista verbas para a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), aparelha as Forças Armadas, é membro fundador da Organização das Nações Unidas (ONU), além de assinar com Washington seu primeiro acordo de cooperação e prospecção de recursos estratégicos (areia monazítica, urânio e tório). Tal acordo inseriu o Brasil na era atômica como fornecedor de recursos minerais para projetos nucleares experimentais dos Estados Unidos, como o Projeto Manhattan.

Ao final da Segunda Guerra, a eclosão das bombas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, ao mesmo que tempo que suscitou questionamentos morais e éticos, despertou o interesses dos Estados em aquisição ou aprimoramento de tecnologia nuclear. Surge o dilema nuclear: como a energia atômica é dual, podendo ser utilizada para fins civis ou fins militares, como estimular seu uso pacífico e desencorajar o enriquecimento de urânio, por exemplo, a serviço da guerra?

Somente sob a conjuntura de Guerra Fria, durante o governo Dutra (1946/1951), é que o governo conseguiu pleitear a criação de um Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), num momento em que a tecnologia nuclear estava atrelada tanto ao processo de produção científica quanto à superação de problemas econômicos e sociais no país. O argumento brasileiro pautava-se no fato de que o país tinha apenas objetivos pacíficos e de promoção do desenvolvimento nacional. Paralelamente ao alinhamento ideológico, o governo Dutra teve postura demandante com relação a facilidades na economia e no comércio, mas os escassos resultados para o país gerou profunda frustração.

Durante o segundo governo Vargas (1951/1954), os acordos bilaterais entre Brasil e Estados Unidos para cooperação nuclear e para assuntos militares geraram poucos ganhos e foram considerados como perda de soberania, desagradando setores nacionalistas. Em 1953, Eisenhower propõe a criação de um programa que incentivasse o uso civil da tecnologia nuclear, associado à lógica de salvaguardas e incentivando seu comércio com vistas à circulação de recursos, o Atoms for Peace, cujo funcionamento seria garantido pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que seria formalizada em 1957. Apesar da euforia nuclear, provocada pela impressão de que o dilema nuclear fora resolvido, ainda não havia um grande acordo sobre os usos desse tipo de tecnologia.

A expansão dos países que detinham tecnologia nuclear levou, em 1968, à criação do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), que, ao diferenciar dois grupos de países (possuidores e não-possuidores), congela o poder atômico nas mãos dos cinco Estados que já tinham feito testes até 1967: Estados Unidos, União Soviética, Reino Unido, França e China. Sob os pilares da não-proliferação e do uso pacífico, o TNP era falho ao não estipular um prazo para o desarmamento, o que gerou críticas. O Brasil, por ter tradicional compromisso com o desarmamento, e principalmente por já ter firmado o Tratado de Tlatelolco (1967), visando à erradicação de armas nucleares nas fronteiras da América Latina, não assinou o TNP, vindo a participar do tratado apenas em 1998 e a participar da 6ª Conferência de Exame do TNP, em 2000.

Nessa conferência, o Brasil fez parte da Coalizão da Nova Agenda, que defendia que, apesar da proliferação ser importante, a urgência do desarmamento era maior. Por isso, a coalizão criou o programa “13 Passos” que corrigia o artigo 6º do TPN sobre desarmamento, outrora considerado meramente formal. Embora tenha logrado êxito, em 2010, com a defesa do desarmamento pelo presidente Obama e a assinatura de mais pontos que controlem a temática nuclear, existe uma sensação de atraso. Sem o desarmamento, perpetua-se um desequilíbrio entre os que possuem os que não possuem armas atômicas e a predominância da lógica de que o poderio militar e nuclear determina intencionalmente o poder político.
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Bibliografia:
  • ANDRADE, Ana Maria Ribeiro de; SANTOS, Tatiane Lopes dos. A dinâmica política da criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear, 1956-1960. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 8, n. 1, p. 113-128, jan.-abr. 2013. Autor para correspondência: Ana Maria Ribeiro de Andrade. Museu de Astronomia e Ciências Afins. Coordenação de História da Ciência. Rua General Bruce, 586. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP 20921-030 (anaribeiro@mast.br). Recebido em 27/02/2012 Aprovado em 18/01/2013
  • LIRA, Vanessa Horácio. Enriquecimento de animosidades: o início da política nuclear brasileira. / Vanessa Horácio Lira. – João Pessoa: UFPB, 2015.
  • FERNANDES, Fernanda de Moura. “A face brasileira do átomo: uma proposta analítica para o estudo da inserção internacional do Brasil e os usos da energia nuclear”. 3º Seminário de Relações Internacionais da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI) – Graduação e Pós-Graduação Repensando interesses e desafios para a inserção internacional do Brasil no século XXI Florianópolis, 29 e 30 de setembro de 2016.
  • SANTOS, Tomé Sudário Gomes Ferraz dos. “A política nuclear brasileira até 1964”. São Paulo, 2007.
  • RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti. “A política nuclear brasileira e as relações internacionais (1946/1957)”. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011.

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