RELIGIÃO, EDUCAÇÃO BANCÁRIA E ENSINO


O texto abaixo é referente às aulas de Prática de Ensino - UFF (2006) - e, claro, de minha autoria.

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“Aos sete anos, tive de parar minha educação
para ir à escola.”
Gabriel García Márquez

Esta brilhante frase do autor colombiano ilustra de maneira eloquente, apesar de sucinta, o panorama da educação em nosso tempo. 

Aprende-se em todo lugar e a todo momento, não sendo menos importante o conhecimento adquirido fora do âmbito escolar. Porém, o enfraquecimento da educação pública em concomitância com o crescimento do sistema privado, além do deslocamento da socialização da escola para a mídia, para a publicidade, para o consumo, atesta a crise que sofre o sistema educacional inserido na realidade neoliberal, a fase de maior desigualdade de toda a história.

O sistema capitalista vigente nos nossos tempos mantém as rédeas, o controle e influi sobre todas as esferas da sociedade atual. Seus aspectos tangem a perspectiva de homogeneizá-la a fim de facilitar a sua adaptação de acordo com as demandas do mercado. 

A partir deste ponto, percebe-se que para além dos produtos manufaturados, houve a transformação, inclusive, das relações sociais em mercadoria.

Para que a internalização e a plena aceitação de tais valores e pressupostos,  faz-se necessário um sistema ideológico que inculque e proclame cotidianamente estes preceitos nas mentes da pessoas. Um exemplo crasso do universo instaurado pelo neoliberalismo é, portanto, a mercantilização, inclusive, da educação, o que permite a transformação do ambiente de ensino em verdadeiros fast-foods e shopping-centers que funcionam segundo a sua lógica de consumo e lucro.

No caso da educação, isso demonstra claramente as ambições do projeto social do capitalismo: dificultar o acesso a uma educação de qualidade significa impedir que uma reflexão mais profunda seja realizada pelos agentes sociais. 

Isto revela o temor que sentem os dirigentes máximos de tal sistema de que aqueles acordem para a precarização de suas condições de vida e perpetua e intensifica as possibilidades de exploração. Em vez de ser instrumento de emancipação humana, a educação tem sido um mecanismo de perpetuação e reprodução deste sistema.

A educação não é um negócio. Não deve qualificar exclusivamente para o mercado, mas para a vida. Parafraseando Gramsci, deve-se separar o Homo faber do Homo sapiens, para que o sentido original da educação seja resgatado, bem como aquele do trabalho, possibilitando a ele a ampliação de suas possibilidades criativas e emancipatórias. 

Educar não consiste na mera transferência de conhecimento, mas na conscientização, construindo e libertando o ser humano das amarras do determinismo neoliberal.

Com relação ao rompimento da estrutura lógica do capital, questões como o papel da educação para a construção de um novo mundo, cuja principal referência seja o ser humano, e como esta se constituiria no afã de realizar transformações políticas, econômicas, culturais e sociais necessárias. 

Para tanto, a compreensão do universo no qual o estudante se insere faz-se indispensável. Uma pesquisa acerca dos seus históricos familiar, escolar e dos seus gostos e inclinações pessoais são um exemplo disso. 

Contudo, algo que nos foi esclarecido nas aulas de Prática de Ensino e que talvez tenha sido erroneamente posto de lado pelos professores é a dimensão espiritual do mesmo. Recentes conflitos com a parcela de neo pentecostais em colégios públicos demonstra que tal assunto assume grande importância no contexto de sala de aula.

Geralmente considerados críticos e questionadores, os professores de História não devem deixar de sê-lo, caso seja este o seu ponto de vista original, contanto que não procurem laicizar seus alunos, como se a dimensão religiosa não passasse do que Karl Marx acusara, um ópio. 

Não é pelo fato de  professor ser ateu, por exemplo, que a ele será permitido rechaçar uma questão de suma importância para parte dos membros de sala de aula. 

Sob este aspecto, já que não dá para negar os impropérios protagonizados pela Igreja católica, por exemplo, estes mesmos devem ser analisados à luz da realidade concreta, visto que o recrudescimento de determinados tipos de credo também é historicamente datado, fazendo parte de uma rede de manifestações da sociedade atual. 

Num mundo em que parecem tão limitadas as possibilidades de uma vida melhor, a religião atua como uma espécie de porto seguro, no qual a salvação virá no porvir divino, em vez de concretizar-se no plano terrestre.

Certas religiões, sobretudo, parecem vir a ratificar as conquistas na sociedade neoliberal, uma vez que negam quaisquer tipos de gozos terrenos, internalizando a impossibilidade de acesso da parcela miserável da população à produção de riquezas e significando um meio de controle social, como se estivéssemos na Idade Média.

Piquetes, greves e mesmo festas típicas são encarados como maléficos, levando-os a se afastar de seus semelhantes e ainda mais da racionalização do que os guia à sua condição de vida. Em vez de ser um alicerce de engrandecimento pessoal e espiritual, alguns credos, pelo contrário, perpetuam a visão de insuperabilidade das desigualdades que assolam os menos favorecidos, consistindo mesmo num ponto de apoio da reprodução capitalista.

No entanto, há de se respeitar as escolhas particulares, na medida em que um conflito oriundo deste tipo de embate pode pôr em risco o programa pedagógico do profissional de educação, trazendo por terra os objetivos por hora projetados. 

Respeito deve ser a mola-mestra de toda e qualquer espécie de relação, por que não o seria no ambiente escolar, esta segunda esfera de socialização a qual deveria ser direito de todo o cidadão?

Portanto, a educação libertadora seria a meu ver o motor de transição do trabalhador num agente crítico, político, que pensa e age com objetivo de modificar o mundo. Sua perspectiva de harmonia entre professor e aluno, de equidade entre os seus discursos, de dialogismo e de respeito mútuo responde às necessidades da construção de um projeto educacional que busque uma sociedade senão nova, diferente. 

Uma educação ideal deve caminhar na contramão do atual modelo político-econômico hegemônico, posto que esta só se transforma a partir da luta de classes. Sendo o capital irreformável, já que, em sua própria natureza, é incontrolável e incorrigível, torna impossível uma reformulação educacional vigorosa que tenha de permanecer dentro dos limites de perpetuação do domínio do capital como modo de reprodução social metabólica. 

E, com relação ao âmbito religioso da questão, faz-se necessária a compreensão de que todo e qualquer credo defende o respeito como princípio das relações humanas, o que não deve ser empurrado para segundo plano dentro de sala de aula.

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